Aproveitando
o momento das eliminatórias da Copa, quando a seleção brasileira
está exibindo sua melhor forma e nós comemoramos a classificação
para a Copa da Rússia, vamos a um dedo de prosa sobre futebol e
arte ou futebol/arte... ah, já nem sei como dissecar estas paixões,
porém quero contar uma 'história da história de um tempo que eu
quase vi'. Não presenciei, de fato, mas convivi com o
sujeito anônimo, autor de uma obra digna da imortalidade, tanto
quanto a seleção de 70.
Walter Vandervolth
é o nome dele. Sua biografia não caberia em uma postagem simples do
nosso pequeno Núcleo, por
isto, atenho-me
ao fragmento que me coube:
Surge um poema
Aconteceu
em 1970 – Brasil tricampeão mundial de futebol.
Sobre
a magia do momento, a grandeza dos feitos do Canarinho muitos
já falaram. Porém as histórias paralelas, vividas nos cantos mais
remotos do país; sobre os radinhos de pilha de ondas curtas… sobre
os apaixonados por futebol dos rincões deste Brasilzão;
sobre aqueles que – sim, conheciam cada um dos meninos do
futebol como se fossem os maiores amigos de infância; sobre estes,
não há registros.
Por
seu radinho de pilhas, Walter ouviu sobre um concurso literário
promovido pela emissora (?) (Ora, não sei qual era a emissora) –
Sim, deveria me informar, mas não agora. Agora quero apenas contar
sobre o poema de Walter Vandervolth.
Walter
se inscreveu… de longe. E escreveu… produziu com toda sua arte.
E, tal como a Seleção Brasileira de Futebol, classificou - 1º
lugar.
O prêmio
Uma pequena quantia em dinheiro, nem
foi suficiente para tratar uma tuberculose.
Quanto
ao poema, vale muito a pena publicar. Vale muito a pena ler…
O Caneco é Nosso
(Walter Vandervolth Rodrigues)
Dotô, eu sô du sertão,
Mas se vancê prestá atenção
Vai sabê que eu tomém sô
Um brasilero, de fato,
Que moro memo no mato,
Mas tomém sô sabedô
Da mais famosa conquista
Qui us nosso futibolista
Nu istrangero realizo.
'Seu' moço, eu nunca istudei,
Na verdade eu nem sei
O que é o tar de purtuguêis,
Mais na língua du sertão,
Daquilo que eu acho bão,
Eu falo pur déiz ingrêis!
Eu moro aqui nu sertão,
Num tenho televisão,
Mais tenho um véio radinho.
Foi pur ele que iscuitei,
E é pur isso qui eu sei
O qui fizero us Canarinho.
Us Canarinho qui eu falo
É a silição de “Zé Galo”
Qui foi lá prus istrangero.
Pur lá ficô muitos dia
Mais quando veio troxe aligria
Pá noventa milhão de
brasilero!
Pá falá memo a verdade,
De otos fato da cidade
Eu nem tomo sastifação.
Mais quando falava na bola
Largava inté da viola
Pá prestá mais atenção.
Aqui nesse meu ranchinho
Eu ligava o meu radinho,
Mais véio que pé de serra,
E sentado perto do fogo,
Iscuitava tudin o jogo
Do meu Brasir c'otras terra.
Pá modi trazê o caneco
Joguemo cuns tar de tcheco,
Nem dero pá cumeçá:
Fizero um gor primêro
Mais logo os nosso brasilêro
Já botaro pá quebrá.
Ficô só de quato a um.
- Era apenas o jijum
qui nóis quiria tirá!
Dispois veio a Ingraterra,
Que inventô o futibor.
Lutaro, mas num vencêro.
E agora vô sê sincero:
- Pur respeito aos inventor
Só fizemo um a zero.
Veio a Rumênia dispois,
Ganhemo de treis a dois
Sem sê preciso isforçá.
E assim us Canarinho
Ganharo o lugarzinho
Nas oitava de finar.
Veio, intão, us piruano,
Tomém entraro prus cano:
Ganhemo de quato a dois!
- Na hora eu fiquei cum dó
do brasilêro, treinadô,
Porém cumecei pensá:
“Quem mandô ele í pra lá
Pá contra nóis vim jogá??”
Chegô a vêis dus uruguaio,
- Povo bruto, papagaio!
Naquele dia eu sinti
O maió medo da vida
Puis, diz que aquela gente
atrivida
Viero uma vêis aqui,
Quebraro o boné na testa
E acabaro cum a festa
Do meu quirido Brasir
Mais dessa vêis foi furado
O papo desses marvado!
Vinguemo, sim, puis viu
só?!
Ganhemo de treis a um
E num fizemo mais um
Purque fiquemo cum dó.
Pur fim chegava a Itália
Dizeno que pra batalha
tinha sangue e muita raça.
Caíro inté na bobage
De comprá uma passage
Pá modi levá a taça.
Mais us onze de “Zé Galo”
Pisaro tomém nus calo
Dus parcêro de Mazzola.
E nu apito derradêro
Mostremo pru mundo intêro
Que somo dono da bola!
'Seu' moço, eu sô um cabôco
Que sei memo muito poco
De otas coisa da cidade.
Mais do nosso futibor
Sei quase tudo de cor.
Tudo qui eu falo é verdade.
Us garoto de “Zé Galo”…
Vancê qué vê cumo eu falo
O nome de todos ele?
- Félix jogano nu gor,
Mostrô seu grande valor
Êh golêro bão, aquele!!!
O nosso Carlos Arberto,
Eu já vi garoto isperto
Mais iguar aquele, inda não.
Lá no meio tava o Brito,
Sartano qui nem cabrito
Defendeno a posição.
Piazza e Everardo,
O grande Gerso,Crodoardo,
Ô garoto sensação!
Mostraro pru mundo intêro
O valor do brasilêro
Que tem amor na nação!
O Jairzinho, -Êh, criolo!!!
Fazia tamanho rolo
Quando a redonda pegava,
E naquele mexe e vira
Eu pensava qui era inté
mintira
O qui o meu radinho falava!
O minerinho Tustão,
Eu acho qui era um milhão
Qui ele divia chamá.
Puis fazê o que ele fazia,
Na raça i na valintia
Eu nem posso aquerditá.
I o criolo Pelé?!
Na verdade aquele é
U maiò du mundo intêro!
Quando gritava: - “É Pelé
Qui tá ca bola no pé”,
Eu já ficava banzêro.
Eu já ficava pensano
Qui u pirigo tava rondano
U gorzin dus estrangêro.
Quando ele arrisurvia,
A partida decidia
Em pôco mais de um sigundo.
Jogá iguar aquele homi,
Só se fô um lubisome
Qui vinhé de oto mundo.
O nosso bão Rivilino,
Eu acho qui aquele minino…
Pode sê qui eu mi ingano…
Mais, 'seu' moço, eu
discunfio
Qui aquele garoto é fio
Do nosso sertão goiano.
O cabra tinha tanta garra,
Ganhava nu peito e na marra,
Mais tinha qui saí ganhano.
Us reserva qui levaro
Arguns deles tomém mostraro
Seu valor na silição.
Us otos que num jogaro
Foi purque num pricisaro
Mais era tudo muito bão!
'Seu' moço, eu tô
sastifeito,
Puis tomém tenho o direito
Di sinti essa aligria.
Puis nessa ocasião
Nosso Brasir é cidade
misturada cum sertão
É tudo uma só famia!
Inté o nosso prisidente
Tava tomém lá presente.
- Viu só, que coisa
importante?
Nosso Brasir interinho
Era um só Canarinho
Transformado num gigante!
I agora que o Caneco é nosso,
'Seu' moço, eu inté posso
Agarantí desde já
Qui si havê oto torneio
Meu Brasir tá lá no meio
E vai botá pá quebrá.
A nossa raça valente
Vai mostrá di novamente
Qui o brasilêro num faz feio.
Qui nossa goela num seca,
E qui nóis trais a caneca,
Purque o Caneco já veio.
'Seu' moço, eu agora vô
pará.
Já tô roco de falá,
Mais antes quero dá dois
grito:
Daqui di onde me vejo,
In nome dus sertanejo
Du meu Brasir infinito…
É o grito qui ressoa
Pur noventa milhão de pessoa
Unida num só coração.
É dois viva bem vivido:
- Viva o meu Brasir quirido!
- Viva a nossa silição!
Eu leio "iscuitanu"
ResponderExcluirEu "tomém".
ExcluirÉ muito lindo!
Querido primo, José Augustinho,
ResponderExcluirSoube que você leu e comentou esta postagem do Núcleo do Sujeito, mas por alguma razão relacionada a configurações seu comentário não apareceu. Porém, de qualquer forma eu agradeço pela visita, pelo incentivo...
Sei que você tem histórias incríveis vividas ao lado desses grandes artistas anônimos que foram os "irmãos Victor" e um fragmento tão pequeno como este que foi publicado aqui mexe com a nossa vontade de revirar o baú, não é?
Obrigada por ler e comentar.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bem feito
ResponderExcluirOiii...
ExcluirSim, um poema muitíssimo bem feito. Orgulho desses nossos tios, né?